sábado, 9 de outubro de 2010

De conto em conto

Negócio de menino com menina.
Ivan Angelo


              O menino,de uns dez anos,pés no chão,vinha andando pela estrada de terra da fazenda com a gaiola na mão.Sol forte de uma hora da tarde.A menina,de uns nove anos,ia de carro com o pai,novo dono da fazenda.Gente de São Paulo.Ela viu o passarinho na gaiola e pediu ao pai:
                 _ Olha que lindo!Compra pra mim?
                 O homem parou o carro e chamou:
                 _ Ô menino.
                  O menino voltou,chegou perto,carinha boa.Parou do lado da janela da menina.O homem:
                _ Esse passarinho é pra vender? 
                _ Não senhor.
                O pai olhou para filha  com uma cara de deixa pra lá.A  filha  pediu suave como se o pai tudo pudesse:
               _ Fala pra ele vender.
               O pai,mais pra atendê-la ,apenas intermediário:
               _Quanto você quer pelo passarinho?
                Não tou vendendo não senhor.
               A menina  ficou decepcionada e segredou:
               _Ah, pai, compra.
               Ela não considerava,ou não   aprendera ainda,que negócio só se faz quando existe um vendedor e um  comprador.No caso,faltava o  vendedor.Mas o pai era um homem de negócios, águia da Bolsa, acostumado a encorajar os mais hesitantes ou a virar a cabeça  dos mais recalcitrantes:
               Dou dez mil.
               _Não senhor.
               _Vinte mil.     
               _Vendo não.
               O homem meteu a mão no bolso,tirou  o dinheiro, mostrou três notas ,irritado.
              _ Trinta mil.
              _ Não tou vendendo,não,senhor.
              O homem resmungou "que menino chato" e falou pra filha:
              _ Ele não quer vender. Paciência.
               A filha,baixinho,indiferente às impossibilidades da transação:
               _ Mas eu queria.Olha que bonitinho.
                O homem olhou a menina,a gaiola,a roupa encardida do menino,com um rasgo na manga,o rosto vermelho de sol.
              _ Deixo comigo.
              Levantou - se,deu a volta,foi até lá.A menina procurava intimidade com o passarinho,dedinho nas gretas da gaiola.O homem,maneiro,estudando o adversário:
             _ Qual é o nome deste passarinho?
             _ Ainda não botei nome nele,não.Peguei ele agora.
             O homem,quase impaciente:
             _ Não perguntei se ele é batizado não,menino.É pintassildo,é sabiá,é o que?
             _ Aaaah.É bico - de - lacre.
             A menina,pela primeira vez,falou com o menino:
             _Ele vai crescer?
             O menino parou os olhos pretos nos azuis.
              _ Cresce nada.Ele é assim mesmo,pequenininho.
              O homem:
               _ E canta?
               _ Canta nada.Só faz chiar assim.
               _ Passarinho besta,hein?
               _ É. Não presta pra nada,é só bonito.
               _ Você pegou ele dentro da fazenda?
               _É. Aí no mato.
               _ Essa fazenda é minha.Tudo que tem nela é meu.
               O menino segurou com mais força a alça da gaiola,ajudou com a outra mão nas grades. O homem achou que estava na hora e falou já botando a mão na gaiola,dinheiro na mão.
               _ Dou quarenta mil,pronto.Toma aqui.
               _ Não senhor,muito obrigado.
               O homem,meio mandão:
                _ Vende isso logo,menino. Não tá vendo que é pra menina?
                _ Não,não tou vendendo não.
                _Cinquenta mil! Toma! _ e puxou a gaiola.
                Com cinquenta mil se comprava  um saco de feijão,ou dois sapatos,ou uma bicicleta velha.
                O menino resistiu,segurando a gaiola,voz trêmula.
                _ Quero não  senhor. Tou vendendo  não.
                _ Não  vende  por  quê,hein? Por  quê?
                O  menino acuado, tentando explicar:
                _ É que eu demorei a manhã todinha pra pegar ele  e tou com fome e com sede,e queria ter ele mais um pouquinho.Mostrar pra mamãe.
               O homem voltou para o carro,nervoso.Bateu a porta, Culpando a filha pelo aborrecimento.
                _ Viu no que dá mexer com essa gente?É tudo ignorante,filha.Vam'bora.
                 O menino chegou pertinho da menina e falou baixo,para só ela ouvir:
                 _ Amanhã eu dou ele pra você.
                 Ela sorriu e compreendeu.  



               Ivan Angelo nasceu em Barbacena (MG),em 1936.Publicou o primeiro livro em 1961,Duas faces.Além de escritor,é jornalista.O conto acima foi originalmente publicadoem O ladrão de sonhos  e outras histórias(1995).









     

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